segunda-feira, 17 de agosto de 2020

À Faca

O dom da comunicação e o seu poder inerente, cai por terra quando adicionamos à equação uma boa porção de drogas e uma língua impronunciável. Há momentos na vida em que bradamos aos céus para ser bem compreendidos: quando pedimos o nosso hambúrguer sem pickles, quando explicamos que não somos sado-masoquistas e quando há alguém de bata, luvas e bisturi na mão prontos a iniciar uma caça ao tesouro no nosso abdómen.

Esta semana fui submetida a uma pequena cirurgia. Não ganhei uns seios novos e reluzentes, nem tão pouco mais ou menos me sugaram os entrefolhos que pós quarentena compraram um lote no meu ventre. Uma inutilidade de cirurgia, portanto. Encheram-me que nem um peixe balão, brincaram à operação a ver se o meu nariz ficava vermelho ao tocarem nas bordas e já está. Agora para alcançar o chão tenho de deixar que a gravidade faça o seu trabalho e para sentar-me é um processo em três passos, que envolve ajuda do público, um sistema de roldanas e música de fundo motivacional.

Pobre de mim a sucumbir perante tamanha dor. Não. Verdade seja dita, estou fresca que nem uma alface. Não obstante, foi a minha primeira cirurgia. A minha primeira oportunidade para ser amada incondicionalmente, mimada e que ante um qualquer guincho veja ser projectada na minha direcção três almofadas, um boião de gelado e canções de embalar. Isto não vai durar muito, há que aproveitar.

A cirurgia em si era algo pequeno, não obstante ser operada numa altura em que não se pode entrar acompanhada num hospital, onde não falamos a língua e onde há canais suficientes para ocultar corpos de operações a emigrantes que não correram bem, pois, dá que pensar. Com pesar confesso que nem motivos para trauma me deram, até a gelado de pêra tive direito (sou mulher que se contenta com pouco) e ainda não deram de si nenhuns efeitos secundários. Porém, sou apologista que por cada vez que nos anestesiam, devíamos acordar com alguma melhora estética. Já que andam para lá a escarafunchar, seria como uma promoção dois por um.

Fica aqui, então, uma sugestão amiga: caros médicos, sejam uns porreiros a oferecer implantes e a vossa popularidade vai subir desmedidamente. Pensem numa sociedade hedónica marcada por reciprocidade, vocês dão o que podem e o universo vai-vos pagar de volta. Hoje um implante mamário à dona Cremilda, amanhã ela põe uma carcaça grátis no vosso saco quando forem pelo pão. E o Universo mantêm equilíbrio neste tu cá tu lá de bens.