A vida de todos nós é desenhada
com o mais fino pincel e com um cuidado ímpar desde uma tenra idade. Nasce uma
linha clara a seguir para que alcancemos nada mais que a nossa realização
pessoal. É só seguir o que o universo designa e seremos puramente felizes, ter
a profissão de sonho e encontrar o amor da nossa vida. Só que não!
Nunca fui aquela criancinha com
as ideias claras do que queria ser quando fosse grande. Repetia o que os outros
miúdos diziam para não parecer que andava às aranhas e, a tensão social típica
dos cinco anos de idade, fazia-me dizer coisas estúpidas como “quero ser
empreiteira como o pai do Joel” ou “gosto de comer giz” (o Luís não era muito
dotado de inteligência, mas aqui estávamos nós a repetir o seu raciocínio, que
queríamos comer giz para pagar a renda).
Fui dando passo após passo. Alguns mais lógicos que outros, mas sempre a pensar no que me faria feliz e que se mantivera naquele limbo entre não ser presa por homicídio e não perder
direito à herança familiar (tenho-me escalfado a vida toda, mereço o
aparecimento de um tio rico com três montes alentejanos e metade das
Berlengas). Depois de renunciar do conforto que dez anos de trabalho na mesma
companhia me haviam proporcionado e montar-me no meu naperon de croché voador à espera
de descobrir um novo mundo, apercebi-me que teria algumas dificuldades técnicas:
vender o conceito de flagelação, ao que os proprietários de um negócio o submetem, sem alguém com o meu potencial a trabalhar para eles. Proliferava em mim uma confiança capaz de me encher os pulmões (do aroma a arroz
queimado).
Sai porta fora depois de
despedir-me como a épica cena do filme Wanted (vá, vão lá procurar no
Youtube…eu espero). Ou, se calhar, foi mais entregar uma carta escrita na perfeição e
marcada com um par de lágrimas (ou baba) e sair a ouvir Adele em repeat
na minha cabeça, não tenho bem a certeza, tenho a memória borrosa. Assim que
cheguei a casa e acendi o computador para actualizar o meu curriculum,
apercebi-me que não só este era um ficheiro que apenas tinha o meu nome, morada
de há três países atrás e cara de moçoila inocente que não sabe o que é o IRS,
como eu não sabia o que escrever nele.
Chega assim, sem um dar por ele,
o temível momento em que nos apercebemos que somos amebas e que realmente não
queremos trabalhar, só queremos dinheiro. Mas agora nem trabalho, nem dinheiro.
Sentei-me e reflecti. No que é que sou particularmente boa? Ora bem...Tenho um potencial
ímpar para ficar entalada dentro de casacos (record Guinness de fechos éclair
rebentados a gritos e lágrimas), não sei abrir portas (pareço um pardal com
cotos a ir contra uma janela), sofro dos mesmos efeitos secundários que os
gremlins se tenho fome (sou um ser inclusivo, não espero pela meia noite,
qualquer hora é boa para amarrar o burro, prender fogo à casa e chorar num
canto, quase sempre por esta ordem) e gosto de laurear a pevide (exactamente o
que qualquer empregador quer ouvir). Quatro horas a olhar para um ecrã em
branco e estas são as qualidades que me vão desencantar aquele trabalho
milionário. Claro!
A caminho da minha primeira
entrevista (que foi uma video-chamada na minha sala),
apercebi-me que tinha o Santo Graal das entrevistas todo este tempo a meus pés
e estava a usá-lo como penico. Ser portuguesa! Não. Não vou rezar a Fátima ou
cantar um Faduncho ao Sr. Futuro Chefe. Mas somos, notoriamente, há gerações,
os melhores imigrantes que há para explorar! Estamos tão habituados a ser
explorados no nosso país e a considerar isso a norma, que cá fora somos cavalos
laborais supersónicos. Fez-se luz! Houve orgulho nacional e lagriminha de Bonga.
Consegui o trabalho!
(Vá se calhar também disse que tinha feito voluntariado na Namíbia e que doei um pulmão a um golfinho do Sado, mas de certeza que foi por ser Portuguesa)