terça-feira, 31 de março de 2020

Pinceladas de Um Futuro Incerto


A vida de todos nós é desenhada com o mais fino pincel e com um cuidado ímpar desde uma tenra idade. Nasce uma linha clara a seguir para que alcancemos nada mais que a nossa realização pessoal. É só seguir o que o universo designa e seremos puramente felizes, ter a profissão de sonho e encontrar o amor da nossa vida. Só que não!

Nunca fui aquela criancinha com as ideias claras do que queria ser quando fosse grande. Repetia o que os outros miúdos diziam para não parecer que andava às aranhas e, a tensão social típica dos cinco anos de idade, fazia-me dizer coisas estúpidas como “quero ser empreiteira como o pai do Joel” ou “gosto de comer giz” (o Luís não era muito dotado de inteligência, mas aqui estávamos nós a repetir o seu raciocínio, que queríamos comer giz para pagar a renda).

Fui dando passo após passo. Alguns mais lógicos que outros, mas sempre a pensar no que me faria feliz e que se mantivera naquele limbo entre não ser presa por homicídio e não perder direito à herança familiar (tenho-me escalfado a vida toda, mereço o aparecimento de um tio rico com três montes alentejanos e metade das Berlengas). Depois de renunciar do conforto que dez anos de trabalho na mesma companhia me haviam proporcionado e montar-me no meu naperon de croché voador à espera de descobrir um novo mundo, apercebi-me que teria algumas dificuldades técnicas: vender o conceito de flagelação, ao que os proprietários de um negócio o submetem, sem alguém com o meu potencial a trabalhar para eles. Proliferava em mim uma confiança capaz de me encher os pulmões (do aroma a arroz queimado).

Sai porta fora depois de despedir-me como a épica cena do filme Wanted (vá, vão lá procurar no Youtube…eu espero). Ou, se calhar, foi mais entregar uma carta escrita na perfeição e marcada com um par de lágrimas (ou baba) e sair a ouvir Adele em repeat na minha cabeça, não tenho bem a certeza, tenho a memória borrosa. Assim que cheguei a casa e acendi o computador para actualizar o meu curriculum, apercebi-me que não só este era um ficheiro que apenas tinha o meu nome, morada de há três países atrás e cara de moçoila inocente que não sabe o que é o IRS, como eu não sabia o que escrever nele.

Chega assim, sem um dar por ele, o temível momento em que nos apercebemos que somos amebas e que realmente não queremos trabalhar, só queremos dinheiro. Mas agora nem trabalho, nem dinheiro. Sentei-me e reflecti. No que é que sou particularmente boa? Ora bem...Tenho um potencial ímpar para ficar entalada dentro de casacos (record Guinness de fechos éclair rebentados a gritos e lágrimas), não sei abrir portas (pareço um pardal com cotos a ir contra uma janela), sofro dos mesmos efeitos secundários que os gremlins se tenho fome (sou um ser inclusivo, não espero pela meia noite, qualquer hora é boa para amarrar o burro, prender fogo à casa e chorar num canto, quase sempre por esta ordem) e gosto de laurear a pevide (exactamente o que qualquer empregador quer ouvir). Quatro horas a olhar para um ecrã em branco e estas são as qualidades que me vão desencantar aquele trabalho milionário. Claro!

A caminho da minha primeira entrevista (que foi uma video-chamada na minha sala), apercebi-me que tinha o Santo Graal das entrevistas todo este tempo a meus pés e estava a usá-lo como penico. Ser portuguesa! Não. Não vou rezar a Fátima ou cantar um Faduncho ao Sr. Futuro Chefe. Mas somos, notoriamente, há gerações, os melhores imigrantes que há para explorar! Estamos tão habituados a ser explorados no nosso país e a considerar isso a norma, que cá fora somos cavalos laborais supersónicos. Fez-se luz! Houve orgulho nacional e lagriminha de Bonga. Consegui o trabalho!

(Vá se calhar também disse que tinha feito voluntariado na Namíbia e que doei um pulmão a um golfinho do Sado, mas de certeza que foi por ser Portuguesa)

27 comentários:

  1. Ser português é um superpoder. Um dia, todos vão compreender isso :D
    Fico muito feliz por ti!

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    1. Começam a compreender!! Pouco a pouco lá chegamos =P

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  2. Muito, muito bom mesmo, chorei de tanto rir, eis sem duvida uma das tuas muitas qualidades, fazer alguem mandar uma boa gargalhada. Bj

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    1. Os meus chefes parecem nunca ter muito sentido de humor =P

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  3. Há anos que ando a explorar esse mesmo filão e não me tenho saído mal! :)

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    1. Já podias ter dito, escusava eu de andar aqui a patinar sem me aperceber do ouro que tínhamos baixo os pés =P

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  4. Eu costumo dizer que sou um EPON - Especialista de Porra Nenhuma :)))

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    1. Isso é digno de currículo...acho que vou acrescentar ao meu. Uma sigla faz tudo parecer com mais classe =P

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  5. hoje estou a distribuir comentários por blogs onde nunca tinha estado, porque entretanto os que me conhecem fartaram-se dos meus comentários... se nã se importa, ora aqui vai: Gostei muito, revejo-me em algumas coisas, outras nã... sempre soube o que queria ser, mas parabéns, pelo emprego, pelo posts, vou ver os outros... e se gostou do meu comentário, subscreva, ali em baixo no link que nã vai aparecer :)

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    1. Ora muito obrigado pela visita, um grande bem haja.
      Deve ser bom isso de saber o que se quer ser, eu nem o que quero jantar...
      Já agora...ponto à parte...Soube bem ler um comentário com sotaque =)

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  6. Fizeste-me rir. E isso é sempre bom.
    Escuta... isso já foi a um tempinho, certo? Ou é coisa recente?
    Ainda bem que nascer portuguesa te tem servido bem. Se tiveres alguns poderes mágicos, vê lá se me ajudas, porque eu também mereço um parente rico que me deixe uma fortuna. Mas como não tenho eheheh, contentava-me se me fosse permitido viver em paz na casa onde moro. (está infestada de uma certa praga que não desaparece e tem tendência a multiplicar-se)

    Abraço

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    1. Ora bem, fazer as pessoas que acidentalmente tropeçam neste blog rir é o que se quer =D
      Foi coisa recente, mesmoooo justinho a toda esta brincadeira do isolamento. Poderes mágicos não tenho, mas se me aparecer o tal tio com montes alentejanos a sair pelos olhos bem que te posso dar um =P
      Boa sorte ai com a praga...coragem!! =)

      Abraço!!

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  7. Ora metade das Berlengas não e mau pensado, eu estou a espera que o meu primo adoptivo (deve haver algum) me deixe a ilha do Baleal de herança. Assim ficavamos vizinhas, e podiamos nos queixar juntas do drama que é ter que lidar com fechaduras! nem me vou pronunciar sobre as epopeias de trabalhar numa companhia a 10 anos (ou quase) e tentar reenventar o curriculum, porque se não ai sim entram os ninjas, mas para cortar cebolas

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    1. Olha arranja-me lugar para montar a tenda no Baleal caso o meu plano das Berlengas falhe sáxavôr. Parece-me a mim que teríamos potencial para vizinhas.

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  8. Ser português nunca me arranjou um emprego lá fora. E olha que tentei várias vezes, mas nunca passou do "quase". Até tirei passaporte e tudo para atravessar o Atlântico.

    Moral da história: acho que sou um mau português!
    Deixaria o ex-ministro da Holanda, Países Baixos ou lá o que é isso, orgulhosos. Nem mulheres, nem vinho... ;)

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    1. Para atravessar o Atlântico? Quiseste foi ir muito longe, fica lá aqui à beira do nosso pais que o Atlântico é muito para nadar se as coisas azedarem.

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    2. Mas eu sou um romântico e quando vejo imagens do Brasil (novelas, Carnaval, etc) fico a sensação que ali vou encontrar o amor! Várias vezes ao dia!! Ah ah ah ah!

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    3. Ahhhh então estavas a querer ir para o sitio errado! O conceito de ser tuga é que nos podem explorar, no Brasil eles estão connosco pelos cabelos. Arranja outro destino ou vai lá de férias

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    4. Namibia ainda não fui...mas no Vietnam podias não apaixonar-te 3x ao dia, mas ias comer tãoooo bem!!

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    5. https://viagens.sapo.pt/saborear/gastronomia/artigos/dez-dos-mais-deliciosos-pratos-tipicos-do-vietname

      ...não sei.

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    6. Acredita que se tenho alguma coisa é gosto de comer...e quando lá fui foram 3 semanas a aspirar tudo o que me aparecia pela frente. Vai lá e depois diz-me...mas não vás já...aguenta lá ai o passaporte que a coisa ainda tá estranha para viajar

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    7. E P.S. não concordo com esse top 10...mas tá bem...

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    8. Sabes que eu tenho vários problemas, entre os quais: viajar não me seduz e não gosto de saladas (comida crua no geral)
      Vejo ali muita coisa verde e crua para meu gosto. Nada contra, mas desde que inventaram o fogo, prefiro cozinhado. Até a fruta é melhor cozinhada! ;)

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    9. A parte da comida ainda deixo passar...sou paciente e fazia-te uma tour gastronómica lá (de coisas cozinhadas) que te saltariam os olhinhos. Mas não gostar de viajar...temos um problema...

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    10. Vou reformular: eu tenho uma doença patológica grave! Os horários stressam-me. Ter de estar no aeroporto à hora X, para o voo da hora Y, apanhar autocarro, etc.. epá não sei, mexe comido.
      Deve muito cedo, verdinho de carta na mão, preferia fazer 5 horas a conduzir, atravessar meio Portugal sozinho, do que apanhar autocarro, comboio, táxi. Essas coisas stressam-me causam-ma ansiedade e "ursas" no estômago.
      Isto (e ser pobre) sempre me impediu de apanhar o avião e ir para qualquer lado. Este ano que ia ser corajoso (e economicamente saudável), como já expliquei.. foi tudo por água abaixo.
      Mas passeio por Tugal. Este fim de semana devia ter ido ao Porto, passear e comer francesinhas, não fosse o motivo conhecido e por isso fiquei em casa.

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    11. Ainda há tempo este ano para ser corajoso...vais ver que ainda vais viajar! Há cura para essa doença...tens é que viajar para chegar a ela xD
      Ai agora comia uma francesinha...

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