segunda-feira, 18 de maio de 2020

Império de Fita Adesiva

O fino salto alto aferrasse ao soalho, como um metrónomo a marcar o ritmo, sente-se a identidade feminina a ressoar em cada passo. Giro a cabeça e suspiro exasperadamente, como quem salta um batimento cardíaco. Aquele corpo de porcelana com medidas perfeitas, movendo-se com uma harmonia que me faz trautear a Garota de Copacabana. Será isto inveja ou um teste à minha heterossexualidade? Oiço, então, um cavalheiro a perguntar-lhe qual a sua graça, respondeu com o tom de voz de um pai natal ébrio a trabalhar em part time num centro comercial: Joaquim.

Temendo não ter as qualificações necessárias para o trabalho, tomei a decisão que quero ser uma Drag Queen. Tenho consciência que o conceito passa por homens que se vestem e actuam como mulheres e eu sendo uma, poderia ser subentendido como batota, mas quem me conhece, sabe que a minha maquilhagem tem o traço artístico de um desenho indecifrável de uma criança de 4 anos (sim, aquele que guardam e fingem que é lindo, mas por dentro pensam que mais vale que o catraio cresça para ser bonito ou inteligente, que artista não vai ser) e ando de saltos altos, como uma mula em andas na calçada portuguesa, a tentar apanhar moedas do chão com a boca. Mas, atenção, não quero ser uma Drag Queen matrafona que para isso fico quieta, quero alcançar um nível que faça ambos os sexos duvidar da sua sexualidade, ao não saberem o que raio eu sou. O suprassumo dos jogos mentais femininos.

São mulheres de tomates. Efectivamente. Anos a melhorar as suas maquilhagens, vestuários e a arte de levar a genitália colada com fita adesiva entre as pernas, muitas vezes, durante mais de 10 horas. Eu não consigo nem empurrar a minha hérnia para dentro, que fique quieta por cinco minutos e estes homens, fazem desaparecer um conjunto de órgãos para lugares nunca antes explorados. Levem um grupo de mulheres a um striptease em que o stripper dispa a tanga e o homem é apedrejado por atentado ao pudor, enquanto elas convulsam com arcadas (ninguém quer ver aquela coisa a bambolear por aí livre). Mas, se ele saca de um rolo de fita adesiva e faz a genitália desaparecer, até o viramos do avesso para compreender onde foi aquilo parar. O mundo Drag gera-me tantas perguntas! Seriam histórias dignas de ser contadas junto à lareira, a mulheres que tiram apontamentos fervorosamente, sentadas de pernas cruzadas num tapete felpudo.

Poderia, finalmente, sair dos cânones de nomes cliché e ter um nome artístico. A minha cabeça brame com um sem fim de opções. Poderia ser algo com classe, como Estrelícia Davenport (a minha definição de classe soa a nome de actriz porno Venezuelano dos anos 80 está claro), descritivo como Luísa Marmota ou até artístico-bardajão como Candy Diaz. Um nome com impacto, uma peruca de três cores e enchimentos a dar-me as curvas certas, e eu seria capaz de dominar o mundo [ponto de reflexão: anos a ouvir marcas a anunciar push ups diminutos, como a grande inovação, após a invenção do pão de forma, e agora descubro que há todo um mercado de almofadados corporais que podiam ter-me ajudado a fazer publicidade enganosa com muito mais engenho e cair sem me esfolar toda? Sinto-me defraudada].

Ser Drag Queen é uma prova de poder de homens, que têm a arte de enxovalhar o sexo feminino em áreas que lhes são designadas à nascença pela sociedade. Não só o fazem, como o fazem melhor que muitas de nós e nos fazem reflectir, em como queríamos ser bonitas como o Osvaldo. Chega de patriarcado Drag, que eu também quero!


20 comentários:

  1. Melhor do que eu fazem-no certamente! É preciso ter talento, tiro-lhes o chapéu :)

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  2. Conhece a balada "O nome dela é Valdemar"?
    Vale a pena ouvir :)))

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  3. Lá isso é verdade, talento não falta!

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  4. Haja criatividade, menina :D com fita adesiva ou sem ela... :))))

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    1. A única coisa que não preciso de toda esta história é de fita adesiva...o resto vinha a calhar =P

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  5. Pois eu, preciso da fita, para me puxarem as mamunfas para cima 🥺

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    1. Ao menos tens alguma coisa para puxar, deixa lá xD

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  6. ganhei um traumatismo a fita adesiva... devias colocar um aviso antes

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    1. Desculpa...não te queria traumatizar =P

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    2. agora nã sei como vou fazer embrulhos de natal...

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    3. Deixas de dar prendas de natal...sai-te em conta! De nada =P

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  7. A garota de Copacabana é a versão drag da garota de Ipanema? ;)
    Aqui no ano passado houve um programa com drag queens ao estilo Germany's next top Model, igualmente orquestrado pela Heidi Klum. Era muito engraçado!

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    1. Olha que bem podia...mas não, é mesmo outra música, por outro cantor xD...mesma premissa da cachopa bonita, mas mais descritivo na parte da roupa e detalhes e tal...e também tem boa sonoridade (mas sem ser tão clássica claro está =P).
      Aqui há uma cultura bastante saudável e crescente do mundo drag...ia haver este mês um espectáculo do mesmo género aqui...do Rupaul Drag Race...mas como tudo...cancelado.

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    1. I would love to have a bunch of wigs and every day have a different hair colour and haircut...I would be a happy pumpkin =P

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  9. São talentosas, sem dúvida!
    Saltos altos? Não são a minha praia definitivamente ahahahah

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    1. Nem a minha...coisas rasteirinhas, como havaianas ou all star para a queda não ser grande xD

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