quinta-feira, 23 de julho de 2020

Sinais

“Se deus te assinalou, algum defeito te encontrou”

A frase motivacional que moldou a minha existência. Soa a um mero trocadilho amoroso quando proferido com olhos carinhosos e num tom de voz terno de uma avó alentejana. Com 5 anos era um pinhão com olhos que gostava de tudo o que rimava, sem desejo de indagar o porquê detrás de deus ter embicado comigo e muito menos, sendo o criador, decidir usar-me como rascunho.

Divindades à parte, culpo inteiramente os meus progenitores por tamanha incapacidade de decidirem uma cor de pele e se terem centrado nela, durante o meu fabrico. Está para nascer o dia em que a minha mãe se decida entre uma cor e não compre toda uma colecção, em todos os tons existentes (sejam camisolas ou tinta de parede). Como ter um filho de cada cor seria uma carga de trabalho, cá estou eu, este dálmata que não sabe truques. Dirão vocês, terá leves sardas colocadas harmoniosamente por baixo dos olhos, exagerada! Não. Sou aquele jogo de juntar os pontos, sem interesse algum, não apropriado para os vossos filhos, do qual vocês vão desistir antes de chegar ao sinal que tenho debaixo da unha.

Anos a ponderar em que significariam tantos sinais. Tenho consciência da minha incapacidade de fechar casacos de fecho-éclair sem ficar sua prisioneira. Não sei respirar (o pior super-poder alguma vez visto), falo depressa para conseguir gerir informação entre "arfanços", senão morro e terei direito à lápide mais depressiva de sempre: “morreu porque se esqueceu de inspirar”. Não achei o filme Parasite a última coca-cola do deserto. Consigo pensar em mais uns quantos, mas não me dá para tanto.

Concluo deste modo, que nem todos os trocadilhos e frases feitas têm sentido. Já devia ter suspeitado, afinal de contas a minha avó também repetia incessantemente, “7 e 7 são 14, com mais 7, 21. Tenho 7 namorados e não gosto de nenhum” e a senhora tinha uma agenda cheia, não tinha cá tempo para tamanha rebaldaria.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Saudade

“Ó gente da minha terra

Agora é que eu percebi

Esta tristeza que trago

Foi de vós que recebi”

Eu sei que está estabelecido na constituição da república portuguesa que um indivíduo depois de registado em território nacional tem de se tornar alguém emocionalmente perturbado e que defina na perfeição a palavra “saudade”. Eu fui registada na margem sul do Tejo e isso pode ter acarretado alguma interferência no processo. Fiz as malas e entre abraços, lágrimas e chamadas de atenção aleatórias, como os cuidados a ter ao congelar frango, ninguém me explicou qual seria a altura certa para começar a ter saudades.

Haverá um momento, em que ouvir fado abraçada a uma estátua de plástico luminosa de Fátima, enquanto faço um altar a um pastel de nata será, certamente, apropriado. Já lá vão 6 anos desde que sai de Portugal e tenho saudades constantes, uma moinha chata que está sempre lá, aquela vontade de receber o colo de mãe depois de um dia mau e de ir comer àquele restaurante que é o teu favorito desde os 5 anos de idade. Não obstante, ainda não tive uma recaída dramática.

Eu não gosto de surpresas. Da mesma maneira que não gostaria de ter um ataque de cólicas a meio de uma entrevista de trabalho, também não gosto da ideia de ser atingida pelo conceito de saudade em todo o seu esplendor, quando estiver num momento de loucura íntima. Transitando, fugazmente, de um encontro romântico a um momento de terapia em que estarei enrolada em mantas com rímel e baba a escorrer queixo abaixo, enquanto o Juan Carlos tenta sair pela janela sem partir o pescoço.

Sou uma mulher adulta e independente! Que pode desmoronar entre lágrimas e soluços, em posição fetal, encostada a um canto da sala, abraçada à fatia de pão alentejano restante, enfiada na mala durante a última visita. A essência está, em que ninguém presencie tal momento decrépito. Tirando o meu vizinho, que já se queixa que eu ando com demasiada força, se um dia eu choro ele chama os bombeiros.

Revelar a existência de saudade é, garantidamente, ter num par de horas a nossa mãe à porta de pantufas (e máscara), para nos levar de volta para o nosso país (ao colo). Se raramente nos expressamos, a probabilidades é de nos rotularem de insensíveis e adoptarem um labrador para colmatar a nossa ausência (eu fui substituída por dois gatos).

O meu nível de comunicação actual parece estar a manter o padrão necessário para que não mudem a fechadura de casa sem me avisar. Para os interessados no ritual, passa por proclamar palavras aleatórias num tom arrastado e melancólico, mescladas com sons imperceptíveis (se alguma vez foram à matança do porco da aldeia, sigam a nota do porco), que passam rapidamente da temática emocional à física quântica. Podem declarar-vos doentes mentais, mas não duvidarão do vosso amor.