Nascemos e é-nos apresentada uma
realidade cheia de vida e possibilidades. Um sem fim de oportunidades que
podemos explorar, mas não faremos. Da mesma maneira que o médico não nos
pergunta se queremos chorar naturalmente ou se nos pode agitar como um frango
no ar e esbofetear o nosso “nalgal”, a vida também não nos oferece a escolha
entre um emprego frustrado ou abraçar pandas profissionalmente. O escape, para
muitos, é encontrado nos videojogos, onde podemos encarnar a personagem que
mais desejamos ser e fugir à nossa realidade aborrecida.
A grande maioria de nós,
restringindo-se por uma sociedade que nos disse que não podíamos ser todos
extraordinários (ou o conceito da coisa perderia sentido), contentamo-nos com
jogos que exploram a nossa pequenez. Há um perpetuar no sucesso de jogos onde
podes viver o stress de ser empregado de mesa, a adrenalina de plantar tomates
e passear galinhas, ou criar vidas que vais destruir gradualmente em reflexo da
tua. A questão é que estas missões (chamemos-lhe assim para parecer épico), são de possível execução na
vida real, mas são conhecidas pelo seu défice de glamour. O stress de ser um empregado de mesa cria-te urticaria e vives na possibilidade iminente de ser despedido, pela quantidade de batatas que roubas de pratos de clientes, para afogar as tuas mágoas; ter que degolar a Gertrudes para o jantar é
terrível, porque ela corre mais que tu (pode ser relevante mencionar que a
Gertrudes é uma galinha); e tomar más decisões que vão levar ao ruir da nossa
existência é algo que fazemos com naturalidade, é um dom.
Não sou ninguém para julgar os
criadores de ditos jogos, afinal de contas, já existem jogos de absolutamente
tudo e ser inovador, por vezes, parece uma missão impossível. Mas, descobri esta semana, um simulador ao que acho que
não lhe é dado o devido valor: o simulador do Papa. Chega de plantar nabiças online! É
hora de sonharmos alto e conduzir a igreja católica ao seu apogeu, passear
de papamobil, acenar a súbditos, ofender descrentes…ou o que quer que seja que
o Papa faz.
Julguei ter em mãos o presente
católico deste Natal. Até que tentei salvar um transeunte, numa das minhas
passeatas esquizofrénicas, vestida de Papa pelas ruas de Amesterdão, dando-lhe com o meu
Papa-ceptro na nuca enquanto gritava “Vade retro Satanás” (não faço mesmo puto
ideia do que raio faz o Papa para se entreter), e ele, que afinal era um
verdadeiro fiel, deu-me uma cabeçada e elucidou-me que havia um caminho mais divino a tomar. Algum
ser iluminado havia criado o simulador de Jesus (chama-se I’m Jesus Christ, nem
a minha cabeça perturbada chegaria a tanto sozinha).
Se já vos custava conceber as
tarefas diárias do Papa, então preparem-se porque não há maneira de não ser um
herege ao pensar nas possibilidades de Jesus. Avassalantes possibilidades e
missões: levar Maria Madalena a um jantar de família com Deus e esperar
aceitação das suas opções profissionais; apanhar bebedeiras e ressuscitar como
truque para animar festas; lutas contra hereges em cima de água; usar as
picaretas das palmas das mãos como armas mortíferas ou para fazer mojitos. Mas
não… Este jogo explora toda a parte nobre, mas entediante, de ser Jesus, como
esticar as mãos para curar a cegueira; esticar as mãos para parar tempestades;
e esticar as mãos para alimentar homens esfomeados (o truque está em esticar as
mãos caso não tenham reparado).
Agora que eliminámos uma linha
que era tão ténue que nem sabíamos que existia, entre o tédio e a religião,
podem-se considerar humanos mais completos. Têm agora o conhecimento necessário
para estragar o próximo Natal aos vossos petizes, marcá-los para a vida e,
quando chegue a altura, garantir o vosso lugar no mais segregado lar de idosos
da sociedade.