terça-feira, 24 de março de 2020

Socialmente Selectiva

Ter na palma da mão o conforto do regaço da nossa mãe, o calor do abraço do nosso pai ou a alegria daquela gargalhada cheia de tiques do nosso melhor amigo. Ter na palma da mão a proximidade dos que amamos. Ter na palma da mão o Whatsapp.

O Whatsapp quando surgiu apresentou a combinação perfeita entre várias aplicações que nos aproximam dos que mais amamos. O que mais poderia o comum dos mortais pedir deste Universo? Afinal de contas, já existem filtros que nos fazem parecer bebés, idosos, coelhos e beterrabas sacarinas com indumentaria pirata sexy, atingimos o apogeu da evolução humana!

Como bons seres humanos, gostamos de ver o mundo arder e com este novo império, foi natural a manifestação de novos ditadores. Estes sendo, a prima-avó em terceiro grau que não tem nem direito a raminho na árvore genealógica e o chefe que se convence que é moderno e cool. Estas espécies (que deviam estar em extinção em vez dos pandas…toda a gente gosta de pandas…onde raio está a selecção natural?!), são as irrefutáveis culpadas da criação dos grupos de Whatsapp dos quais não queremos fazer parte, mas, que por alguma força maior, não podemos abandonar.

O grupo da “família distante” é um grupo presente na maioria dos Whatsapps, a menos que sejas dos sortudos que tem uma família desconexa, ou que se ama o suficiente para ignorar a existência alheia no quotidiano. Este grupo é sempre criado por aquela tia sem vida social, que alcançou a idade em que se apercebeu que antes ou depois estica o pernil e, consequentemente, é o momento perfeito para reatar com todos os membros da família. Destes, regulamente não se lembra dos nomes, quanto mais da existência, mas estão todos guardados com um carinho ímpar no telemóvel com a nota recordatória do grau de parentesco entre parênteses, como: “(primo/filho da Manuela)”, “(tio da perna de madeira e roncar nervoso)” ou o clássico “(a da verruga que não tenho a certeza de quem é prima mas está sempre a açambarcar filhós como se não comesse há um ano na festa de Natal da Avó Clotilde)”. Pois, todas estas pessoas cheias de carácter e potencial estarão à distância de um click que ninguém vai querer pressionar. Este grupo tem actividade durante o dia de criação em que todos os familiares se vêem na obrigação de fingir interesse, nem que seja com um inexplicável emoticon de um ovo estrelado. Após estas gloriosas 24 horas, só no nascimento de mais algum rebento que, garantidamente, terá um nome da moda e, portanto, fácil de olvidar ao segundo, e nos aniversários de cada pessoa do grupo (menos do teu, porque és provavelmente a da verruga e não sabias até à data), como se as notificações de Facebook não fossem suficientes.

O desejo investido na décima segunda passa consumida na passagem de ano  deveria ser obrigatoriamente a não integração de um grupo laboral do Whatsapp. Se estás preso num empreendimento laboral sem futuro, onde não és feliz e que te proporciona surtos suicidas, mas que ainda não criou um grupo de Whatsapp onde partilhar cada ínfima informação, não abandones esse trabalho! Se te quiserem despedir implora para ficar, faz horas extras e doa-lhes um rim. Este grupo apenas serve para sentir que a tua vida são horas extras não remuneradas. É acordar a pensar que o melhor que te pode acontecer é só ter uma mensagem e que seja do teu marido a dizer que te traiu com um agricultor de nêsperas zarolho, e ir dormir com o equivalente a um beijinho na testa do chefe. Bem-haja aos que inventaram os emoticons de gargalhada (que enviamos com a nossa melhor cara de regurgito mental) e de fixe (que enviamos cheios de mensagens subliminares de que queremos que ele se afunde lentamente num poço de estrume), que são usados infinitamente nestas conversas. Tal como todas as reuniões a que assistimos ao longo da vida que podiam ter sido e-mails de um parágrafo, o Whatsapp laboral proporciona várias frases que podiam ter sido belos momentos de silêncio.

A moral da história é que nunca nos devíamos alegrar por nenhuma criação, pois o ser humano é um calhau com olhos que a vai arruinar antes ou depois. Criámos o esparguete, alguém pensou que a curgete fazia o mesmo efeito, criámos a democracia, alguém decidiu que o Trump tinha sentido. Não somos, claramente, seres capazes de gerir este mundo, é momento de aceitar isso e ficar inertes como postas de bacalhau à espera do fim dos tempos.

16 comentários:

  1. A sério??? Só tu me farias rir que nem louca nesta altura do campeonato....

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  2. Estive anos a resistir, a ser forte e a não ceder às solicitações para criar Whatsapp... até que vem a pandemia e não deu para resistir mais :o

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    1. Eu tive que instalar já há uns anos quando fui para Espanha. Até para conseguir ver casas as pessoas só atendiam por whastapp para não pagar as chamadas. E agora ando nesta vidinha...não deixes que te enganem!!

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  3. Valha-me. Só tenho um grupo Whatsapp, é o da minha família nuclear marido e filhos. Por estes dias tem dado jeito para ficarmos mais próximos dos filhos que estão em Lisboa. :)

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    1. Ai Luisa mas esses são os grupos pelos quais o Whatsapp vale apena ter...é por isso que foi criado. Eu chateia-me mais porque é o meio que uso para estar perto da familia e amigos proximos e agora abro e são 90 mensagens laborais, não há quem aguente.
      Um abraço =)

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  4. eu posso dizer que a minha familia familia em termos tecnologicos 80% ficou no tempo dos beepers. e claro quem me conhece também sabe que sou bastante bicho do mato... não obstante também me podia qualificar para essa tia sem vida social....🤔

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    1. Sorte a tua!
      Agora verdade seja dita, ser anti social é bem bom, eu cá sou a primeira a ter a relação mais estável da minha vida com o sofá, maaaasss nas ocasiões que decido chatear alguém, chateio aqueles que me amam incondicionalmente e portanto têm a responsabilidade civica de aturar-me, não a minha prima em terceiro grau do lado do padeiro =P.
      Obrigado pela visita!

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  5. Grupo de Whatsapp, só estou metida num, com pais e professora da turma da Bolachita. Um dia, descobri que dá para tirar o som às notificações. Foi o dia mais feliz da minha vida.

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    1. Agora é que eu vejo no que a vida cá fora me tornou...em portugal vejo que ainda estão todos bastante livres desta vida...nunca deveria ter deixado o meu rico pais!

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  6. Incrível. Nem sei como descrever melhor isto. Fora do mundo!

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  7. Foda-se! Senti-me um velho do Restelo! Não tenho, ou estou em nenhum grupo no Whatsapp e só vou àquilo se me enviarem uma SMS a dizer: "Pá, vai ao Whatsapp!"

    (perdoa o meu francês)

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    1. Descobri ao escrever este post que os portugueses ainda estão livres deste peso. Não devia ter saído daí é o que te digo...

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    2. Mais ou menos...
      Tenho ouvido relato preocupantes da forma como o Whatsapp está a ser usado pelos nossos adolescentes. Veremos no que isto vai dar. Por um lado a diminuição das doenças sexualmente transmissíveis, por outro, uma total ausência de intimidade e desprezo pelo conceito em si.
      Infelizmente...

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    3. Eu estava-me a borrifar para a coisa até o whatsapp significar o único meio pelo qual conseguia contactar gente em Espanha para alugar um apartamento. Desde então cá ando...
      Quanto aos adolescentes, não faço ideia para o que o estão a usar, estou velha e só o uso como meio de barafustar com toda a gente que conheço.

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